domingo, 8 de abril de 2012

Comunhão

Ele foi mais um a reproduzir os manejos de um ritual antiqüíssimo e milenar: a pesca de tarrafa. Espraiou, reverente, uma dessas redes de pesca sobre as águas quase uterinas do seu querido açude, sob o feixe metálico da lua. Após o esforço do pescador iniciante, a grande malha abriu-se no ar, soberana, para em seguida minguar-se num abraço fecundo com as águas.

Nesse momento ele não quis, por ora, o peixe que o firme e pesado entrançado de fibra abrigou em suas entranhas, o devolveu ao açude. A solenidade da ocasião pedia isso. Quis somente o encantamento de compartilhar mistérios e profundezas com as águas plácidas e escuras, já de tanto tempo amigas, guardiãs silenciosas de décadas de histórias de família e de tudo que de belo há em volta. Pois no instante seguinte em que ele lançou, com precisão e elegância, a rede sobre o manto de água, não se sabia mais o que era homem, o que eram as águas, o que eram estrelas, o que era chão, o que era Lua.

Natureza e homem haviam transbordado.