quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Na serra

Abri os olhos e vi a névoa lá fora, atrás dos vidros da janela imensa.
Eram seis da manhã.
A névoa tomava a paisagem como se tudo, árvores, plantas, insetos, pedras, houvessem sido tragados por um branco de sonho.
A casa estava deliciosamente adormecida.
Por um instante, um silêncio eterno, amplo e pastoso, habitou entre minha sonolência e a névoa.
Fecho os olhos.
Quando os abro o que vejo ainda é o branco.
Mas agora há também um pássaro que recém pousou na varanda, atrás do vidro da janela...
Acho que me disse: bom dia.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

O encontro do homem com o peixe

Um rio
Um peixe
O nada

O homem viu o pratear do peixe
Parou pra ver mais de perto...

o peixe dormia.

Sexta-feira

Saudar os pães de manhã
Dissolver o corpo no imenso do dia
Fitar a água do café fervendo é quase olhar para um mar de águas revoltas

A felicidade às vezes irrompe de um nada.

domingo, 18 de outubro de 2009

"Um dia sobre nós também/
vai cair o esquecimento/
como a chuva no telhado/
e sermos esquecidos/
será quase a felicidade."

(LEMINSKI, em "La Vie en Close")

sábado, 3 de outubro de 2009

Ela varre com vassouras multicores
E sai espalhando fiapos,
Ó Dona arrumadeira do crepúsculo,
Volta atrás e espana os lagos:

Deixaste cair novelo de púrpura,
E acolá um fio de âmbar,
Agora, vejam, alastras todo o leste
Com estes trapos de esmeralda!
Inda a brandir vassouras coloridas,
Inda a esvoaçar aventais,
Até que as piaçabas viram estrelas —

E eu me vou, não olho mais.
(Emily Dickson)

Mattina

M'illumino
d'immenso

(Giuseppe Ungaretti)

Cantata

Amanhecer ouvindo Wim Mertens
Sua música adentra portas e janelas do apartamento
As plantas no vaso da cozinha se espreguiçam
A mesa de centro impõe presença
As paredes ganham branco de nuvem
Tudo adquire realidade cristalina,

nesse amanhecer de sábado.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Erik Satie

Combina com neve e manhã.
Mas aqui não tem neve.
Combina com uma vista imperiosa da Cidade-Luz sob a chuva.
Mas aqui não é lá.
Combina com uma praça antiga, daquelas com estátuas antiqüíssimas e chafarizes centrais.
Mas aqui não tem praças antigas. Nem chafarizes.
O Sol nem sempre consegue disfarçar. O piano de Satie também nos visita.
Aqui.
Logo abaixo da Linha do Equador.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

"Corona", de Paul Celan.

Da mão o outono me come sua folha:
somos amigos.
Descascamos o tempo das nozes e o ensinamos a andar:
o tempo retorna à casca.

No espelho é domingo,
no sonho se dorme,
a boca não mente.

Meu olho desce ao sexo da amada:
olhamo-nos,
dizemo-nos o obscuro,
amamo-nos como ópio e memória,
dormimos como vinho nas conchas,
como o mar no raio sangrento da lua.

Entrelaçados à janela, olham-nos da rua: já é tempo de saber!
Tempo da pedra dispor-se a florescer,
de um coração palpitar pelo inquieto,
É tempo do tempo ser..
É tempo.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Visão

Na polpa da tarde,
havia ipês cacheados de branco circundando o anfiteatro...

Lâmpadas da tarde.

domingo, 16 de agosto de 2009

Para ti.

Os pássaros são teus amigos,
Francisco de Assis deve de te admirar,
desde algum lugar desse misterioso e infinito incognoscível.

Gostas das pedras, permanência.
Sabes das árvores,
Dos altos rochedos e seus topos queres a aventura.

Não te sentes pequeno ante o imenso da natureza,
ele te engrandece.

És feito de seiva, da mais bruta e delicada.
Ressoa no vento teu nome.
De raízes são teus cabelos.

Dois frutos são teus olhos.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Trecho do poema "Retrato de uma criança com uma flor na mão", de Cecília Meireles.

Quem lhe ensinara o sorriso
E a graça de assim ficar
Com as luzes do paraíso
Sustentadas no olhar?

sexta-feira, 31 de julho de 2009

Miragem

Subo até o monte mais alto da palavra.
De lá avisto um oceano cor de esmeralda de parágrafos por serem cerzidos, de frases saudosas umas das outras, de idéias que ainda não haviam se avizinhado, de luminescentes encontros de palavras desgarradas, de metáforas e mais metáforas a boiarem sonolentas sob o Sol...

segunda-feira, 20 de julho de 2009

"Fortaleza Revisited"

De Nova Lisboa pouco te resta. Conservas ainda o hálito marinho, uma pitada de verde ainda se exibe nas tuas sinuosidades, pouco da alarmada exuberância de outros tempos. A macia textura do vento ainda sabe te embalar, doce alívio no rescaldo das ruas e avenidas. Com viço e vitalidade, conservas ares de moça. Mas a tua memória é curta, o sol na cabeça talvez seja demais. Te falta respeito e reverência ao que já foste. Não tens remorso, olhas para um futuro com olhos de deslumbramento. Mas alguma coisa em ti ainda resiste. O mar é testemunha. Talvez teu nome ajude.

terça-feira, 14 de julho de 2009

"Guardar", Antonio Cícero.

Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la.
Em cofre não se guarda coisa alguma.
Em cofre perde-se a coisa à vista.
Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por
admirá-la, isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado.
Guardar uma coisa é vigiá-la, isto é, fazer vigília por
ela, isto é, velar por ela, isto é, estar acordado por ela,
isto é, estar por ela ou ser por ela.
Por isso, melhor se guarda o vôo de um pássaro
Do que de um pássaro sem vôos.
Por isso se escreve, por isso se diz, por isso se publica,
por isso se declara e declama um poema:
Para guardá-lo:
Para que ele, por sua vez, guarde o que guarda:
Guarde o que quer que guarda um poema:
Por isso o lance do poema:
Por guardar-se o que se quer guardar.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

O charme da solidão

"A solidão só vale a pena se tiver espectadores para a admirarem", frase que pincei de um livro do escritor português Miguel Sousa Tavares.

Penso que até a solidão tem seu conteúdo narcísico, que ela só é suportável e atraente se pode ser compartilhada, se possui um interlocutor. Todo escritor diz que escreve como companhia à solidão. Mas escreve também para ser lido, para que alguém usufrua de sua solidão. Escreve para ter uma solidão acompanhada, ainda que também para acompanhar-se ("Acompanha-se!" Antonio Porchia).

A solidão dos monastérios, dos presídios, dos claustros, despida de qualquer verniz estético, de quaisquer espectadores, de qualquer comunicação com o outro...talvez essas sim sejam as mais solitárias das solidões.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

A linguagem como recriação do mundo

"O que os meus olhos viram foi simultâneo, o que transcreverei será sucessivo, pois a linguagem assim o é" (Jorge Luis Borges). Borges ao ver o enigmático Aleph, em seu conto "O Aleph", fazendo, assim, aos meus olhos, uma homenagem sucinta a literatura e ao poder da palavra. Homenagem ao tempo da narrativa... gradual, enovelado, um desfiar e transfigurar do mundo e dos acontecimentos em carrosséis de sílabas, consoantes e vogais.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

A casa da Praia do Presídio

O mangue atrás da casa,
quintal dos meus dez anos.
A maresia embala as redes lânguidas no cair da tarde,
a janela aberta emoldurando as velhas dunas vestidas de verde, na infância do dia.
Casa de tantas cores, desculpe se nunca um nome lhe dei.
Muitas alegrias atravessaram nossas vidas nesses treze anos.
Na memória de cada um se ergueu uma casa de brisa, sol, sal e vento...

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Trecho de "Memória de Elefante", romance de António Lobo Antunes, prêmio Camões de 2007.

"O psiquiatra desejou com desespero um esperanto que abolisse as distâncias exteriores e interiores que separam as pessoas, aparelho verbal capaz de abrir as janelas de manhã nas fundas noites de cada criatura como certos poemas de Ezra Pound nos mostram de súbito os sótãos de nós mesmos num maravilhamento de revelação: a certeza de ter topado um companheiro de viagem em banco à primeira vista vazio e a alegria da partilha inesperada. Uma das coisas que mais o aproximava da mulher consistia precisamente em conseguir isso com ela sem necessidade sequer de se vestir de frases, a capacidade de se entenderem num rápido soslaio e que nada tinha a ver com o conhecimento um do outro porque desde a primeira vez em que se encontraram fora assim, eram ambos então ainda muito novos e haviam-se quedado siderados com a estranha força oculta dauquele milagre que com mais ninguém lhes sucedia, união tão perfeita e tão funda que, pensava, se as filhas a lograssem um dia teria valido a pena para ele o tê-las feito e para elas todos os sarampos da vida achariam razão".

sexta-feira, 29 de maio de 2009

"A beleza pura é insípida como uma gota de azul."

(achei como anotação solta, às margens de um texto que me caiu nas mãos hoje)

"Intermedio", Chantal Maillard

Entre una imagen tuya
y otra imagen de ti
el mundo queda detenido.
En suspenso.
Y mi vida
es ese pájaro pegado al cable
de alta tensión,después de la descarga.

Trecho de "Psicologia da composição", João Cabral de Melo Neto

Cultivar o deserto
como um pomar às avessas.

(A árvore destila
a terra, gota a gota;
a terra completa
caiu, fruto!
Enquanto na ordem
de outro pomar
a atenção destila
palavras maduras.)

Cultivar o deserto
como um pomar às avessas:

então, nada mais
destila; evapora;onde foi maçã
resta uma fome;
onde foi palavra
(potros ou touros
contidos) resta a severa
forma do vazio.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

"A Raiva"

Subtrai do ar o ar que ali havia,
retira do vento a ventania,
corta no mais determinado de seu vôo o vôo do pássaro,
chupa o sumo dos dias,
suga pelos bueiros o azul prateado da noite,
desautoriza o sol a nascer.

"El amor ha crecido"

" Hoy que estoy tan alegre, qué me dicen,
me miro el pecho y río, miro me
la estatura, el reloj, los pantalones,
tan alegre y me río, la camisa
me miro a carcajadas, vea usted"

(...)

"qué me pasa, me río y qué és no sé,
tengo un tumulto de violines vivos,
me nace un pájaro en boca "

(excertos de "El amor ha crecido, do poeta argentino Juan Gelman, de seu livro "Violín y otras cuestiones")

Mudarra

Fantasia (Fantasía que contrahaze el arpa en la manera de Ludovico), peça de Alonso Mudarra (1510-1580), compositor e violonista espanhol da Renascença. A descobri faz poucas semanas, já muito a ouvi desde então e meus ouvidos ainda a pedem. Aqui é interpretada por Per-Olov Kindgren.


http://www.youtube.com/watch?v=UM0yeBHjjZM&feature=related

segunda-feira, 11 de maio de 2009

A vida secreta dos cravos de Gaza

Os cravos daqueles prados sabiam do vento, da terra macia, do pólen no bico dos pássaros. Seriam empunhados como armas sem balas, como florida esperança, mais ao longe, para lá daqueles montes, numa cidade chamada Lisboa.

Os cravos daqui não sabem do vento, da terra macia, do pólen no bico dos pássaros.
A semente germina no solo como uma afronta, como aquela rosa nascendo no asfalto.

Alguns adornam as lojas, impávidos. Secreto aceno de esperança. Outros serão presentes de namorados nas pontes sobre os canais holandeses...

domingo, 10 de maio de 2009

Balada estradeira

Vales de todos os tons e semitons verdejam meus sonhos.
O vento corre afinado pela copa das árvores. Suave, campea redemunhos de folhas e balanços de plantações.
Montanhas murmuram hinos e cânticos.
Me apaziguam de mim.

sábado, 9 de maio de 2009

Para Beatriz e Davi

Nas beiradas dos meus quase 23 anos, vocês vieram ao mundo. Eu, penso que já mulher feita, e o Caio, ainda entre menino e homem, nos deparamos com o assombro do novo. Daqueles assombros que, silenciosos, cintilam no cotidiano, feito vagalume e estrela cadente, e nos faz sentir mais vivos.
1 ano e 1 mês já se passou. Alguns dentes já despontaram, alguns passos já foram ensaiados. Muitos sons se encheram como balões coloridos saindo de suas bocas. A cada novo dia uma nova expressão facial, um trejeito diferente, um mungango que passou despercebido...
Davi passeia entre o sorriso farto, o muchôcho de contrariedade, as sobrancelhas levantadas de espanto e a cara de choro como num lance de prestidigitação. Fala com os olhos, olhos expressivos de menino travesso e desbravador de aventuras. Dentre elas catar formiguinhas e nos exibi-las como um tesouro recém-descoberto, assim como tudo de mais diminuto que ele possa achar pelo chão. Tem fascínio por portas e passagens. A irmã mais velha, quando tinha um pouco mais que sua idade, disse (ao deixar de morar em uma casa para ir morar em um apartamento e assim perdendo a passagem mágica da porta que dá para a rua) que não havia gostado da nova casa, pois ela não tinha porta.
Beatriz também fala com os olhos. Serena. Olhos grandes e negros, contemplativos. É solidária ao irmão, sorri largo quando ele sorri. Mas sabe se defender quando pressente a sua ameaça, quando o brinquedo que ela tem nas mãos vira o melhor brinquedo do mundo para o irmão, só pelo fato de estar em sua posse. Embora aconteça de ela às vezes, soberana, deixar o irmão levar o brinquedo consigo. Tem nome de princesa, imperatriz. De musa literária. É a minha irmã, um dia me terá como sua cúmplice e confidente!
Essa semana foi meu aniversário de 24 anos, 2 meses após vocês completaram 1 ano de vida. E aqui onde escrevo, na biblioteca da universidade, agradeço silenciosamente a chegada de vocês.

Brasília, 6 de março de 2009

terça-feira, 5 de maio de 2009

Objetos

Um guarda-chuva amarelo sobre a relva de um parque
Uma mala velha esquecida numa estação de trem.
Um cacho de balões vermelhos empunhados por um homem alto que, no dourado do entardecer, sobe em um ônibus quase vazio.
Um chapéu ao relento, onde um pássaro agora acabou de pousar.
Uma canoa prenhe de lodo e água na beira de um sossegado rio.
Alguns objetos guardam poesia própria,
alguns objetos guardam poesia tua.

"Dançando pra não dançar"

Desde pequena, não faz tantas primaveras assim, que sonho o sonho dos sonhadores por ofício e profissão. O de viver várias gotas de mar num oceano só. O de viver várias vidas (sem nenhum apelo espírita) numa mesma estreita passagem, numa mesma precária estradinha de piçarra que é a vida nossa, que até onde consigo saber é única. É o mesmo sonho de caixeiro-viajante. Ou de menino que quer ir embora de carona na última boléia do último caminhão do circo que se despede da cidade em que acabou de passar.
Essa minha gana se metamorfoseia em várias formas e tamanhos. Mas uma delas durou um tempinho mais comprido no universo da cachola, atravessou delírios de infância e adolescência. Era uma incerteza quase certa de que um dia seria bailarina de uma grande companhia de dança, daquelas que serpenteiam meio mundo em suas apresentações...juntaria assim a fome com a vontade de comer, dançando sobre os mapas, bailando nas latitudes e longitudes. De preferência uma trupe espanhola, sob a batuta de um Nacho Duato, Cesc Gelabert. Mas isso foi mais tarde, já rendida à dança contemporânea. Na infância, entre um tandue e um jeté, confabulava em tom de segredo com a Tallita. Susurrávamos entre um passo e outro que um dia nosso destino seria a fria e longínqua Rússia, primas-ballerinas do Kirov! Podia ser do Bolshoi também.
No sumo dos dias que já correram, levo sempre sempre a dança comigo, na minha memória e na do meu corpo, que é tudo uma coisa só. Levo-a no regaço, com carinho de filha e carinho de mãe. Levo-a às vezes mais, às vezes menos.
Sou bailarina de minha vida.

In natura arquitetura

Já vi pica-pau fazer ninho em poste. Talvez ele o tivesse confundido com árvore, o poste era o intruso ali. No meio do verde, em inverno no sertão. Na hora da sesta se ouvia o surdo picar do pássaro no poste, bem em frente ao alpendre da casa. Naqueles dias a gente adentrava o lago calmo do sono lentamente. A tristeza do pica-pau ao fundo, quase um acalanto.

Já ouvi dizer de casa de joão-de-barro se verticalizar, tomar o rumo do céu, como os prédios das grandes metrópoles. Tem até casa triplex, um arrojo só! Adaptação ao novo habitat urbano.

Só falta agora formiga contratar mestre-de-obras ou cupinzeiro se lançar num novo design arquitetônico...

Garatujas

Há lembranças que desenho com perene e delicado nanquim,suaves e vigorosas pinceladas de permanência.Outras são frágeis croquis descorados.Rascunhos que, ao avesso, não são ensaios do que virá,mas rabiscos de um já-foi.

Estética dominical

Céu de domingo
sobre a Esplanada dos Ministérios
Final de tarde.

O abandono das linhas,
do reflexo da luz nas vidraças,
da simetria das formas.
Tudo parece que sempre esteve ali como uma harmônica ode à solidão.

A beleza do lugar,
aos domingos,
final de tarde,
soergue-se.

Palavras Passantes

Palavras passistas,
seu passo equilibrista.

Passar cambaleante,
passeante.

Num fio de idéia,
num rastro de rompante.

Palavra dançante.

segunda-feira, 27 de abril de 2009

"Postcards from Italy"

E Beirut novamente.

http://www.youtube.com/watch?v=mFHGSP7rPLE&feature=related

Beirut e "La Llorona"

Esse Beirut entende mesmo do assunto: espiar a alma humana. Vai da felicidade extasiante de "Elephant Gun" (que ficou conhecida como tema de Capitu e Bentinho na minissérie Capitu, de Luiz Fernando Carvalho) a o que vocês vão ouvir aí embaixo... Forte. E sublime.


http://www.youtube.com/watch?v=bXrtJYtipuk&feature=related

"Minhoca-serpente"

Talvez erraram o nome do enorme e longelíneo bloco onde se concentram vários cursos da UnB, a maioria da Humanas. O nome é afetuoso, Minhocão, passa a sensação de lugar tranquilo, com o vagar e a preguiça de uma minhoca comprida e sonolenta. Os estudantes às vezes entram nesse clima letárgico, se aconchegando prazerosamente nas entranhas do bicho, na hora da sesta. Mas a minhoca é serpente quando se fala de música, pois cada recanto tem uma sonoridade, um ritmo musical como trilha sonora. Banda de pífanos, MPB, pop rock, música sertaneja, uma confusão danada, babel de sons! Hipnotizadores, exímios encantadores de serpente, são seus habitantes.

"De tempestades e Piazzola"

A chuva molhou o tango,
a melodia encharcou o ambiente.

Nunca me pareceu tão bonito.

domingo, 26 de abril de 2009

"Irmãos"

Conversarão antes de dormir?
Um chamará o outro para defendê-lo das injustiças do mundo na hora do recreio?
Serão comparsas nas aventuras?
Dividirão os brinquedos novos?
Inventarão apelidos entre si de que não gostem?
Serão arqui-inimigos na hora do almoço e os mais leais e fiéis escudeiros no fim do dia?
Atravessarão a rua de mãos dadas?
Não sei. Sei que se amarão.

(Para Beatriz e Davi).

"Cildo"

Ontem assisti, durante o Festival É Tudo Verdade, ao documentário "Cildo"(de Gustavo Moura), sobre o artista plástico Cildo Meireles, cuja obra esteve ano passado na Tate Modern, de Londres. O artista transparece, no filme, serenidade, engenhosidade e humildade na mesma medida, desconcertante de tão genuíno. Das suas obras que estão no documentário, a que mais me comoveu foi "Missão/Missões (ou da arte de construir catedrais)". Um grande quadrado no chão coberto de centenas, milhares de moedas, liga-se a outro no teto por uma solitária e quase interminável fileira de hóstias. De ossos pendentes é constituído o outro quadrado... Além de ser suntuosa esteticamente (por ironia, como uma catedral, exageros à parte), guarda um silêncio retumbante...como o silêncio das catedrais. Relatando as experiências de sua vida que mais influenciaram sua trajetória e opção pelas artes plásticas, destaca algumas, como o fato de ter vindo morar em Brasília quando pequeno... As primeiras lições de espaço, tempo e imaginação foram dadas pela estranheza de uma Brasília em construção. O estranhamento convertido em comunhão primeira com o insólito ambiente ao seu redor: tratores, barro vermelho, um lago por ser feito. "Entrávamos em tubulações e saíamos 2 km depois", descreve, ou jogavam futebol ao lado de pneus gigantes esquecidos, dos tratores que iam e vinham. Para mim, foi ele quem forjou uma das melhores definições para a capital federal: "Brasília é o protótipo do maior esporte nacional: começar do zero..."

sexta-feira, 24 de abril de 2009

"Despertar"

Amanhar o sol do dia novo

Lavrar dourados raios no corpo que amanhece

Dançar solando na manhã.
Olá! Esse blog está em fase de construção, como assim espero que sempre esteja, se vida longa tiver (leia-se: se o mestrado deixar). O título talvez seja provisório. Algum poeta disse que as palavras são como abelhas domésticas para os que escrevem, cultivam o ato de escrever. Minhas sandices interiores me confessaram esse ano, para minha surpresa, serem amigas da página em branco, desde então tenho um enxame de alegres abelhas em meu convívio... Que elas façam festa em seus cabelos ou arrulhem docemente em seus ouvidos! Sejam bem-vindos!