O que sempre dizem, que quando a gente gosta muito de um autor nos sentimos como primos distantes, senti ontem ainda mais forte quando soube, no final da manhã, de sua morte. Em minha imaginação eu ligava para Pilar e lhe dizia algo delicado, que dirimisse um pouco que fosse essa dor universal que um dia todos vamos sentir, ou já sentimos: a dor da perda. Seu marido pensou a humanidade de uma forma poética. O homem é mais digno só pelo fato de seus livros existirem.
Saramago, sem nenhum demérito, era unanimidade. Como Chico Buarque. Quem não gostava? Nunca me esquecerei das leituras de "História do Cerco de Lisboa", das andanças de Raimundo Silva pelas ruelas da velha Lisboa, a ouvir longínquos cantos árabes, a imaginar mouros, muitos séculos atrás, circulando por aquelas ruas e sentindo-se em casa. Nunca me esquecerei da jangada de pedra que se desprende magicamente do continente europeu. Nem da cegueira leitosa que um dia acometeu a todos. Nem da grande caverna à nos espreitar...
Nem da pura poesia que é seu português.
domingo, 20 de junho de 2010
segunda-feira, 26 de abril de 2010
Bachelard
"Ainda existem almas para as quais o amor é o contato de duas poesias, a fusão de dois devaneios" (Gaston Bachelard, "A Poética do Devaneio").
quinta-feira, 15 de abril de 2010
Fernando Pessoa e a Coca-Cola
Alguém imaginaria uma campanha da Coca-Cola na Lisboa de 1928, cujo slogan foi produzido pela pena do bardo-mor português, Fernando Pessoa? Seu afamado espírito recluso não o impediu de entregar-se à sedução da criação publicitária e criou a genial expressão "Primeiro estranha-se, depois entranha-se", que tornou-se provérbio popular em Portugal e nunca foi veiculada, devido ao veto do governo português, antipático à cultura americana em ascensão...
quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010
Recheio
Dizer palavra
sem cor, forma, recheio
É vão ofício
Nuvem que passa
Palavra gorda, colorida, formosa,
te chama pra roda
alegra os quintais.
sem cor, forma, recheio
É vão ofício
Nuvem que passa
Palavra gorda, colorida, formosa,
te chama pra roda
alegra os quintais.
Sábio
Pernas bambas
Pernas vivas
vivas de vasta vida
Braços tortos,
tortos de abraços tantos
Mãos com morros e montanhas,
de quem trouxe o mundo nas mãos
Pés cascudos,
descalços de amargura, do azedume do rancor.
Tronco ereto,
ereta certeza de que viver não foi difícil.
Pernas vivas
vivas de vasta vida
Braços tortos,
tortos de abraços tantos
Mãos com morros e montanhas,
de quem trouxe o mundo nas mãos
Pés cascudos,
descalços de amargura, do azedume do rancor.
Tronco ereto,
ereta certeza de que viver não foi difícil.
domingo, 21 de fevereiro de 2010
María Zambrano, "La tumba de Antígona".
"A mí me ha cogido muchas veces la lluvia en el campo cuando iba con mi padre y no teníamos dónde guarecernos. Y era buena esa lluvia, era bueno, aunque duro ir al descampado. Gracias al destierro conocimos la tierra".
quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010
Bartleby e a CosacNaify
Essa semana o "realismo fantástico" bateu à minha porta...
Fiz uma singela aquisição de um delgado livrinho de 40 páginas, editado pela suntuosa CosacNaify. O livro era o famoso "Bartleby", do Melville, autor do clássico Moby Dick...
A moça da livraria inocentemente me entregou o livro. Sem mais. Nos seguintes trinta minutos eu me pus diligentemente e feliz a "descosturá-lo", já que ele vinha com duas linhas (uma preta e outra vermelha) alinhavando-o de cima a baixo. Quando abro o livro, já a caminho de casa, não vejo rastro de letra em nenhuma das páginas... Foram dar um passeio ou talvez houvessem sido tragadas por algum sumidouro secreto nas estantes da livraria!
No dia seguinte lá voltei e me deparei com o bom humor do atendente e sua ausência de explicação para o fenômeno: "deve ser arte abstrata"... E emendou em seguida, taxativo: "Não...é erro da gráfica". Deu uma saída para pedir informação e quando retornou desvelou todo o mistério de "Bartleby- o escrivão"... As páginas escritas estavam camufladas, vinham grudadas uma na outra propositalmente, tinha que destacá-las com o marcador de texto de plástico que vinha junto... Nenhum cantinho do livro avisava sobre a artimanha. A "esperta" pegadinha do projeto gráfico da editora extrapolou a zona da criatividade estética, caindo no preciosismo bobo.
Pior para Melville. E seus leitores.
Fiz uma singela aquisição de um delgado livrinho de 40 páginas, editado pela suntuosa CosacNaify. O livro era o famoso "Bartleby", do Melville, autor do clássico Moby Dick...
A moça da livraria inocentemente me entregou o livro. Sem mais. Nos seguintes trinta minutos eu me pus diligentemente e feliz a "descosturá-lo", já que ele vinha com duas linhas (uma preta e outra vermelha) alinhavando-o de cima a baixo. Quando abro o livro, já a caminho de casa, não vejo rastro de letra em nenhuma das páginas... Foram dar um passeio ou talvez houvessem sido tragadas por algum sumidouro secreto nas estantes da livraria!
No dia seguinte lá voltei e me deparei com o bom humor do atendente e sua ausência de explicação para o fenômeno: "deve ser arte abstrata"... E emendou em seguida, taxativo: "Não...é erro da gráfica". Deu uma saída para pedir informação e quando retornou desvelou todo o mistério de "Bartleby- o escrivão"... As páginas escritas estavam camufladas, vinham grudadas uma na outra propositalmente, tinha que destacá-las com o marcador de texto de plástico que vinha junto... Nenhum cantinho do livro avisava sobre a artimanha. A "esperta" pegadinha do projeto gráfico da editora extrapolou a zona da criatividade estética, caindo no preciosismo bobo.
Pior para Melville. E seus leitores.
quarta-feira, 27 de janeiro de 2010
A baleia e as gaivotas
Gaivotas bicam o dorso da baleia no mar
Sofre a baleia?
Sente cócegas?
Imagino gaivotas içando baleias no ar
A leveza do Belo às vezes guarda algo de cruel.
Sofre a baleia?
Sente cócegas?
Imagino gaivotas içando baleias no ar
A leveza do Belo às vezes guarda algo de cruel.
segunda-feira, 18 de janeiro de 2010
"A vida é boa"
A vida às vezes ganha sabor de doce suave
De embalo de criança dormindo
De canção de Simon e Garfunkel
Por mais voláteis que esses momentos sejam, vivemos para eles.
"A vida é boa".
Frase de uma simplicidade que assusta. Que, às vezes, sabemos, passa um pouco distante das malhas do real.
Mas agradeço, dia seguido do outro, tê-la ouvido desde sempre da boca de meus pais.
Como lição solene e preciosa sobre o mundo.
De embalo de criança dormindo
De canção de Simon e Garfunkel
Por mais voláteis que esses momentos sejam, vivemos para eles.
"A vida é boa".
Frase de uma simplicidade que assusta. Que, às vezes, sabemos, passa um pouco distante das malhas do real.
Mas agradeço, dia seguido do outro, tê-la ouvido desde sempre da boca de meus pais.
Como lição solene e preciosa sobre o mundo.
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