domingo, 20 de junho de 2010

Sobre Saramago

O que sempre dizem, que quando a gente gosta muito de um autor nos sentimos como primos distantes, senti ontem ainda mais forte quando soube, no final da manhã, de sua morte. Em minha imaginação eu ligava para Pilar e lhe dizia algo delicado, que dirimisse um pouco que fosse essa dor universal que um dia todos vamos sentir, ou já sentimos: a dor da perda. Seu marido pensou a humanidade de uma forma poética. O homem é mais digno só pelo fato de seus livros existirem.

Saramago, sem nenhum demérito, era unanimidade. Como Chico Buarque. Quem não gostava? Nunca me esquecerei das leituras de "História do Cerco de Lisboa", das andanças de Raimundo Silva pelas ruelas da velha Lisboa, a ouvir longínquos cantos árabes, a imaginar mouros, muitos séculos atrás, circulando por aquelas ruas e sentindo-se em casa. Nunca me esquecerei da jangada de pedra que se desprende magicamente do continente europeu. Nem da cegueira leitosa que um dia acometeu a todos. Nem da grande caverna à nos espreitar...
Nem da pura poesia que é seu português.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Bachelard

"Ainda existem almas para as quais o amor é o contato de duas poesias, a fusão de dois devaneios" (Gaston Bachelard, "A Poética do Devaneio").

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Fernando Pessoa e a Coca-Cola

Alguém imaginaria uma campanha da Coca-Cola na Lisboa de 1928, cujo slogan foi produzido pela pena do bardo-mor português, Fernando Pessoa? Seu afamado espírito recluso não o impediu de entregar-se à sedução da criação publicitária e criou a genial expressão "Primeiro estranha-se, depois entranha-se", que tornou-se provérbio popular em Portugal e nunca foi veiculada, devido ao veto do governo português, antipático à cultura americana em ascensão...

Heidegger e a poesia

"A linguagem do dia-a-dia é um poema esquecido".

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Recheio

Dizer palavra
sem cor, forma, recheio
É vão ofício
Nuvem que passa

Palavra gorda, colorida, formosa,
te chama pra roda
alegra os quintais.

Sábio

Pernas bambas
Pernas vivas
vivas de vasta vida

Braços tortos,
tortos de abraços tantos

Mãos com morros e montanhas,
de quem trouxe o mundo nas mãos

Pés cascudos,
descalços de amargura, do azedume do rancor.

Tronco ereto,
ereta certeza de que viver não foi difícil.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

María Zambrano, "La tumba de Antígona".

"A mí me ha cogido muchas veces la lluvia en el campo cuando iba con mi padre y no teníamos dónde guarecernos. Y era buena esa lluvia, era bueno, aunque duro ir al descampado. Gracias al destierro conocimos la tierra".

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Bartleby e a CosacNaify

Essa semana o "realismo fantástico" bateu à minha porta...

Fiz uma singela aquisição de um delgado livrinho de 40 páginas, editado pela suntuosa CosacNaify. O livro era o famoso "Bartleby", do Melville, autor do clássico Moby Dick...
A moça da livraria inocentemente me entregou o livro. Sem mais. Nos seguintes trinta minutos eu me pus diligentemente e feliz a "descosturá-lo", já que ele vinha com duas linhas (uma preta e outra vermelha) alinhavando-o de cima a baixo. Quando abro o livro, já a caminho de casa, não vejo rastro de letra em nenhuma das páginas... Foram dar um passeio ou talvez houvessem sido tragadas por algum sumidouro secreto nas estantes da livraria!

No dia seguinte lá voltei e me deparei com o bom humor do atendente e sua ausência de explicação para o fenômeno: "deve ser arte abstrata"... E emendou em seguida, taxativo: "Não...é erro da gráfica". Deu uma saída para pedir informação e quando retornou desvelou todo o mistério de "Bartleby- o escrivão"... As páginas escritas estavam camufladas, vinham grudadas uma na outra propositalmente, tinha que destacá-las com o marcador de texto de plástico que vinha junto... Nenhum cantinho do livro avisava sobre a artimanha. A "esperta" pegadinha do projeto gráfico da editora extrapolou a zona da criatividade estética, caindo no preciosismo bobo.
Pior para Melville. E seus leitores.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

A baleia e as gaivotas

Gaivotas bicam o dorso da baleia no mar
Sofre a baleia?
Sente cócegas?

Imagino gaivotas içando baleias no ar
A leveza do Belo às vezes guarda algo de cruel.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Caminhar por um céu que não te vê,
Por um ar que não te enxerga,
Por um mar que não te salga...
É banhar-me em rio de fogo,

Ferida fina cortando o ensolarado do dia.

(para Pedro)

"A vida é boa"

A vida às vezes ganha sabor de doce suave
De embalo de criança dormindo
De canção de Simon e Garfunkel

Por mais voláteis que esses momentos sejam, vivemos para eles.

"A vida é boa".
Frase de uma simplicidade que assusta. Que, às vezes, sabemos, passa um pouco distante das malhas do real.
Mas agradeço, dia seguido do outro, tê-la ouvido desde sempre da boca de meus pais.
Como lição solene e preciosa sobre o mundo.